Quarenta anos depois (1985–2025), Rocky IV segue como o capítulo mais pop da franquia. É curto, direto, moldado a videoclipe e embalado por um imaginário de Guerra Fria que o transformou em ícone dos anos 80. O filme, escrito, dirigido e estrelado por Sylvester Stallone, bateu recordes, virou o maior sucesso de bilheteria da série e cristalizou a mitologia de Ivan Drago (Dolph Lundgren) como antagonista de aço.
Hoje, a leitura é dupla: documento de época, nacionalismo em neon, e peça de cultura pop cuja estética de montagem (treinos paralelos, closes suados, músicas em alto volume) virou manual.
Contexto histórico: Reagan, glasnost e o ringue como geopolítica
Lançado no auge das tensões entre EUA e URSS, o filme dramatiza a disputa ideológica como espetáculo, replicando na arena do boxe símbolos e discursos de um mundo polarizado. Ao mesmo tempo, antecipa, na catarse do público soviético aplaudindo Rocky, um desejo difuso de distensão que logo seria verbalizado na era Gorbachev. É por isso que Rocky IV funciona tanto como conto patriótico quanto como comentário involuntário sobre um Ocidente midiático que “vence” por performance e carisma.
A trilha sonora que virou combustível de treino
Se o cinema é ritmo, Rocky IV é bateria e sintetizador. A trilha/score de Vince DiCola injeta pulsação eletrônica nos treinos na neve e nas sequências de esteira e ferro. Acima de tudo, são as canções que colam na memória coletiva:
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“Burning Heart” (Survivor) — manifesto lírico da Guerra Fria (“two worlds collide”), virou cartão-postal do filme.
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“No Easy Way Out” (Robert Tepper) — dirige uma “montagem de memórias” sobre culpa e destino, talvez a cena-videoclipe mais oitentista da franquia.
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“Hearts on Fire” (John Cafferty) — acelera a subida na montanha, símbolo do “sangue no olho” de Rocky.
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“Living in America” (James Brown) — show dentro do filme, espetáculo que arma a tragédia de Apollo Creed.
Todas foram parte da campanha e de singles do álbum oficial. O disco saiu com status de produto pop, e o score de DiCola virou cult com o tempo.
Curiosidade maior: o soco que levou Stallone à UTI
A lenda é real, e documentada por Stallone. Para ganhar autenticidade, ele pediu que Lundgren acertasse golpes de verdade. Um soco no peito fez seu coração inchar, a a pressão subiu a 260. Ele foi levado da filmagem no Canadá a um hospital na Califórnia, passando dias na UTI.
O próprio Stallone já contou essa história em entrevistas e no doc Sly, da Netflix, aquela imagem ao redor do leito não é hipérbole de roteiro.
Bastidores
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“Rússia” filmada no Wyoming e no Canadá: Jackson Hole/Grand Teton simulam a Sibéria; a luta final foi no PNE Agrodome, em Vancouver.
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O robô do Paulie: símbolo do excesso oitentista, virou meme cult — e foi cortado na versão de 2021 (Rocky IV: Rocky vs. Drago), que reequilibra drama e enxuga o kitsch.
Ainda é relevante
Rocky IV é documento e delírio. Traduz o espírito de 1985 em uma narrativa simples, repetível, montável, o cinema-montagem como motivação. Seu arco, luto, expiação, transformação, continua funcionando, sobretudo quando a música entra como motor narrativo, e é isso que mantém viva a experiência. A plateia ainda sobe a montanha com Rocky toda vez que as guitarras e os synths disparam.
Faixa-a-faixa essencial (para ouvir revendo)
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Burning Heart (Survivor) — abre o conflito como tese.
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No Easy Way Out (Robert Tepper) — o luto em forma de clipe.
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Hearts on Fire (John Cafferty) — a ascensão física e moral.
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Living in America (James Brown) — a festa que anuncia a tragédia.
Quatro décadas depois, o filme permanece um uppercut cultural: exagerado, eficaz, instantaneamente citável, daqueles que você “vê com o ouvido”. E sim, parte do impacto vem do fato de que, por trás dos golpes coreografados, houve sangue, risco e hospital, elementos de quem, como o próprio Rocky, não sabia fazer metade das ideias, mas fazia o dobro.
O clássico Rocky IV está disponível para assinantes da platforma Prime Vídeo.