Há notícias que pedem menos manchete e mais escuta. O anúncio feito por Augusto Nascimento, de que o pai Milton Nascimento recebeu diagnóstico de demência por corpos de Lewy, é um chamado a revisitar a obra de um artista que fez da delicadeza uma tecnologia de resistência. Talvez a pergunta seja: como acolher essa fase sem reduzir o criador ao laudo? Uma chave está em “Caçador de Mim” (parceria de Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, eternizada por Milton). Canção sobre busca, coragem e reinvenção. “Nada a temer senão o correr da luta”. Verso curto, mas vasto o suficiente para caber uma vida inteira.
“Caçador de Mim” sempre foi uma geografia emocional do Brasil, alguém tateando o próprio coração em meio a ruídos do mundo, aprendendo a nomear o que sente, inventando um norte possível. É também uma espécie de ética, seguir adiante apesar do nevoeiro.
No atual momento, a canção muda de cor sem perder a luz. Fala-se de uma condição neurodegenerativa, sim, mas também de cuidado, rede e tempo. O artista que se despediu dos palcos em 2022 (“A Última Sessão de Música”) nunca saiu do rádio íntimo do país. Segue em participações, encontros, homenagens, e na pedagogia afetiva que sua obra oferece. Em vez de espetáculo, presença. Em vez de pressa, companhia.
Para quem lê esta notícia em busca de sentido, vale recordar que demência por corpos de Lewy é um quadro que mistura flutuações cognitivas, possíveis alterações motoras e percepções sensoriais. Pede acompanhamento próximo, respeito às rotinas e, sobretudo, dignidade.
Cultura também é isso: um modo de cuidar. Ao reencontrar “Caçador de Mim”, um novo caminho é feito junto, com ouvintes, família, amigos e profissionais de saúde. Mostra que a obra permanece como farol.
Se a vida de Milton sempre foi ponte, agora é hora de ser margem acolhedora. Porque há canções que não envelhecem, amadurecem. E nos lembram, com doçura, que seguir buscando é, também, uma forma de amar.