Há exatos 174 anos, em 14 de novembro de 1851, o mundo foi apresentado ao gigante literário que Herman Melville batizou de Moby-Dick; ou, The Whale. Poucos podiam prever, naquele distante século XIX, que o romance, inicialmente um fracasso de vendas e recebido com estranhamento pela crítica, se tornaria um dos pilares da literatura ocidental. Tanto que, quando Melville morreu, em 1891, seu livro já não era sequer reimpresso.
Mas Moby Dick é dessas obras que renascem, crescem, dominam mares inteiros, tornam-se mitos. Com o passar das décadas, a figura do capitão Ahab em sua busca obsessiva pela baleia branca deixou de ser apenas literatura para se tornar metáfora universal sobre ambição, loucura, vingança, fé e o insondável abismo da alma humana.
Hoje, quase dois séculos depois, ainda é possível dizer “Call me Ishmael” e saber exatamente de onde vem a convocação.
Do papel para as telas: Gregory Peck e o mito reimaginado
A força simbólica de Moby Dick cedo chamou a atenção do cinema. Em 1956, John Huston dirigiu aquela que, para muitos, segue como a adaptação mais emblemática da obra. O filme, estrelado por Gregory Peck, apresenta um Ahab monumental, sombrio, quase bíblico.

Moby Dick, de 1956, é estrelado por Gregory Peck (Foto: Divulgação)
Peck, que inicialmente relutou por achar-se jovem demais para o papel, entrega uma das performances mais intensas de sua carreira. A fotografia saturada de azul e cinza, o ritmo quase ritualístico e o monstro que surge das profundezas fizeram do filme um clássico imediatamente associado ao romance. Huston, inclusive, consultou o próprio Faulkner no roteiro, e o resultado é uma obra que não tenta reproduzir o livro, mas dialogar com seu espírito convulsivo.
Para os cinéfilos dispostos a mergulhar nessa aventura, o filme está disponível para aluguel na Amazon Prime e na plataforma Looke.
O coração do homem diante do mar: Ron Howard revisita o mito
Décadas depois, em 2015, Ron Howard voltou ao universo melvilliano com No Coração do Mar, filme que narra a história real do naufrágio do baleeiro Essex — episódio que inspirou Melville a escrever Moby Dick.

Ron Howard voltou ao universo melvilliano com No Coração do Mar (Foto: Divulgação)
Ao invés de adaptar diretamente o romance, Howard escolhe explorar a origem do mito: a luta brutal de homens contra uma baleia colossal, a fome, o desespero e as decisões impossíveis tomadas no meio do oceano. O filme funciona como espelho da própria criação literária, como se dissesse ao espectador: “foi assim que o mito nasceu”.
A obra, protagonizada por Chris Hemsworth e Cillian Murphy, amplia o alcance do romance ao mostrar que Moby Dick não surgiu apenas da imaginação, mas de um trauma coletivo da história marítima americana.
O filme está disponível para assinantes da HBO MAX.
Outras leituras, outras telas, outras baleias
Ao longo dos anos, Moby Dick já foi recontado em diferentes formatos:
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animações, séries e especiais para TV;
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reinterpretações teatrais e óperas;
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até uma versão futurista, Moby Dick (2010), que transporta a caça à baleia para um universo sci-fi.
Cada releitura tenta capturar algo da obra original, seja o existencialismo, a poesia brutal, a obsessão que corrói. E nenhuma delas consegue esgotá-la, porque Moby Dick é, por essência, inesgotável.
Um clássico que atravessa séculos
A grande ironia é que aquilo que fez o livro fracassar em 1851, sua estrutura experimental, mistura de narrativa e ensaio, seu ritmo irregular e filosófico, é justamente o que hoje o consagra como uma das obras mais ousadas da literatura moderna.
Melville escreveu um romance oceânico, no qual cabe tudo: ciência, mitologia, drama psicológico, aventura, existencialismo, humor ácido, teologia. Moby Dick não é apenas uma história de caça. É um mergulho vertical no que significa ser humano diante do indomável.
Críticos como D.H. Lawrence o chamaram de “estranho e maravilhoso”, e William Faulkner declarou desejar ter sido ele o autor. A frase “Call me Ishmael” atravessou fronteiras e se tornou ícone cultural global.
E 174 anos depois, seguimos retornando ao Pequod, como quem retorna a um sonho inquietante que nunca se esgota.
A baleia que nunca desaparece
Moby Dick continua vivo porque fala de algo que permanece: a fascinação pelo que é maior do que podemos compreender. A baleia branca é o desconhecido, o medo, o destino, a obsessão, e também a promessa de que ainda há mistérios no mundo.
Melville, que nunca viu o sucesso em vida, talvez não imaginasse que sua obra navegaria tão longe. Mas o fato é que, quase dois séculos depois, Moby Dick segue assombrando gerações, inspirando filmes, reconstruções históricas e novas leituras.
A cada aniversário de publicação, o romance reafirma seu lugar no panteão dos grandes livros, desses que não se lê apenas, se enfrenta, se atravessa, se carrega para sempre, em algum ponto do oceano imaginário que a literatura ergueu.