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Com invasão da IA, streaming virou campo de batalha entre bots e artistas
Deezer recebe 50 mil faixas “100% geradas por inteligência artificial” por dia, mas quase ninguém escuta de verdade.
Por Redação Rádio VB
Publicado em 14/11/2025 11:21 • Atualizado 14/11/2025 11:21
Música
Deezer identificou que até 70% dos streams dessas músicas são possivelmente fraudulentos (Foto: Reprodução)

A paisagem do streaming de música está mudando rápido, mas nem sempre por mãos humanas. A Deezer revelou que, hoje, cerca de 50 mil faixas totalmente geradas por inteligência artificial são enviadas à plataforma todos os dias, o que representa algo em torno de 34% de todos os uploads diários. É como se, a cada amanhecer, um exército invisível de robôs soltasse mais um catálogo inteiro de músicas no mar já lotado do streaming.

Só que, quando o assunto é audiência real, o cenário muda de figura. Essas faixas de IA somam apenas 0,5% de todas as reproduções da plataforma. A própria Deezer identificou que até 70% dos streams dessas músicas são possivelmente fraudulentos, impulsionados por bots e sistemas automatizados. Ou seja, boa parte desse som nem é feita para gente escutar, mas, sim, para inflar números e, claro, tentar gerar royalties.

Ao mesmo tempo, uma pesquisa da Deezer em parceria com o instituto Ipsos, com nove mil pessoas em oito países, mostrou que 97% dos ouvintes não conseguem distinguir músicas criadas por IA de faixas compostas por humanos. Na prática, a imensa maioria não sabe o que está ouvindo, só avalia se gosta ou se vai pular.

Essa combinação, volume absurdo, baixa escuta humana e dificuldade de identificar o que é IA, liga o alerta que vai muito além da tecnologia: é uma discussão sobre curadoria, saturação e, no limite, sobre o que a ainda se chama de expressão artística. A própria Deezer admite que grande parte desse conteúdo não nasce de um impulso criativo, mas de “upload em massa para gerar royalties”. Em outras palavras, spam musical.

Diante desse cenário, a plataforma decidiu agir. A Deezer foi pioneira ao criar um sistema próprio para detectar faixas totalmente geradas por IA, com pedido de patente feito em 2024. A partir daí, essas músicas passaram a ser retiradas das recomendações algorítmicas e das playlists editoriais. Elas continuam disponíveis, mas perdem a vitrine. Além disso, a empresa começou a rotular claramente conteúdos como “100% IA”, uma medida de transparência que conta com apoio de cerca de 80% dos usuários, que querem saber, sim, se estão ouvindo um artista ou um modelo de linguagem sonoro.

Outros serviços também tentam conter a enxurrada. O Spotify afirmou ter removido mais de 75 milhões de faixas classificadas como “spam” ou de baixa qualidade, muitas delas fruto de uploads automatizados e esquemas para inflar números de reprodução. A política em torno de conteúdo de IA vem sendo revisada, numa corrida constante para diferenciar criação legítima de ruído oportunista.

O problema é que a tecnologia se move mais rápido que os filtros. À medida que os modelos de geração musical evoluem, as ferramentas de detecção precisam correr atrás. O estudo da Deezer lembra que a IA praticamente zerou o custo de produção de conteúdo sintético: qualquer pessoa, ou empresa, pode soltar milhares de faixas por dia sem precisar de estúdio, instrumento, músico ou compositor. Num mundo em que a escala é infinita, separar o que é arte, experimento, brincadeira ou apenas estratégia de monetização vira tarefa quase política.

Enquanto isso, a indústria discute um ponto sensível: música gerada por IA deve ser remunerada do mesmo jeito que a feita por artistas humanos? Plataformas vão adotar filtros mais duros para esse tipo de conteúdo? E como garantir que quem cria de verdade, compositores, intérpretes, produtores, não seja engolido por um oceano de faixas descartáveis?

Entre métricas, bots e modelos generativos, uma coisa fica clara: a disputa pelo futuro do streaming não é apenas sobre tecnologia, mas sobre o valor que a cultura decide dar à criação humana. No meio do barulho, talvez a pergunta mais urgente seja antiga: quem está falando com a gente do outro lado do fone — uma pessoa ou um algoritmo? E isso ainda faz diferença para você?

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