Há datas que parecem escolhidas pelo destino, e, para os fãs do Guns N’ Roses, o dia 23 de novembro se tornou uma espécie de marco cósmico na cronologia da banda. Em três momentos distintos, a data marcou o lançamento de três discos que, cada um à sua maneira, ajudaram a contar a história tumultuada, grandiosa e mutante de um dos maiores nomes do rock mundial: The Spaghetti Incident? (1993), Live Era ’87–’93 (1999) e Chinese Democracy (2008).
Cada álbum carrega uma energia diferente, um capítulo próprio, como se o Guns reescrevesse sua identidade a cada década, ora reverenciando o passado, ora encarando fantasmas, ora tentando renascer sob uma nova forma.
1993 – The Spaghetti Incident?: O Guns cru, rápido e irreverente
Lançado no auge das tensões internas, The Spaghetti Incident? é um disco que soa como um tiro curto e irônico. 12 faixas de covers punk e glam interpretadas com a fúria e o deboche típicos do Guns dos anos 90. Há Misfits, Dead Boys, The Damned, T. Rex, The Stooges e até uma faixa-bomba escondida: “Look at Your Game, Girl”, de Charles Manson, que gerou protestos e manchetes na época.
"Since I Don't Have You" abre o disco e estourou nas rádios de forma avassaladora.
O álbum não foi um fenômeno comercial como Use Your Illusion, mas tornou-se um registro importante: mostra o Guns como banda. Uma das últimas vezes em que Slash, Duff, Matt, Gilby e Axl ainda soavam como um organismo vivo. É cru, é sujo, é divertido. E, hoje, é cult.
1999 – Live Era ’87–’93: A cápsula do tempo do caos
Se The Spaghetti Incident? revelava a banda por dentro, Live Era ’87–’93 chegava seis anos depois como o grande epitáfio da primeira formação clássica. O álbum duplo compila shows de diferentes turnês, captando o Guns em sua forma mais visceral: imprevisível, perigoso, teatral e tecnicamente brilhante.
A recepção foi positiva, especialmente entre fãs órfãos daqueles anos explosivos. Para muitos, é o último documento oficial de uma banda que, ao vivo, parecia uma entidade própria, uma fera indomável sobre o palco. É também o disco que consolida a mitologia do Guns como o último grande gigante do rock arena dos anos 80/90.
2008 – Chinese Democracy: O mito, o pesadelo, a epopeia
Quase 15 anos de produção. Trocas constantes de músicos. Custos milionários. Estúdios, produtores, egos, experimentações. Chinese Democracy se transformou, antes de existir, em um dos maiores mitos da música moderna. Quando finalmente foi lançado em 23 de novembro de 2008, o mundo não sabia se estava recebendo um disco ou uma lenda urbana cristalizada.
A recepção foi dividida, mas o tempo lhe fez justiça: Chinese Democracy é um álbum complexo, ousado, cheio de texturas industriais, camadas eletrônicas, guitarras múltiplas e vocais que exibem um Axl Rose que não tem medo de reinventar a si mesmo.
Não é um disco da velha banda, e essa talvez seja sua maior força. Hoje, muitos críticos o veem como uma obra corajosa e subestimada, fruto de uma obsessão artística raríssima no mainstream.
Uma data, três eras, uma banda em eterno movimento
O curioso é que os três lançamentos sintetizam exatamente o que o Guns N’ Roses é:
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Rebeldia e irreverência punk (The Spaghetti Incident?)
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O poder avassalador de palco (Live Era ’87–’93)
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A ambição de nunca fazer o óbvio (Chinese Democracy)
Cada 23 de novembro desses anos separa um Guns distinto, um mutante, um sobrevivente, um laboratório. E, juntos, esses discos formam um mosaico perfeito de uma banda que, mesmo entre colapsos, hiatos e renascimentos, nunca deixou de ser impactante.
Porque, no fim, o Guns sempre foi isso: caos, reinvenção e uma estranha sincronia com o destino.