Pela primeira vez em mais de três décadas de estrada, Gabriel o Pensador entra em estúdio para registrar um DVD acústico, que será gravado nesta quarta-feira, 3 de dezembro. O projeto, que marca os 33 anos de carreira do rapper, nasce como uma celebração íntima, mas carregada da energia que sempre caracterizou suas apresentações ao vivo. O repertório reúne cerca de 30 faixas entre clássicos, raridades e três músicas inéditas.
Em entrevista para a revista Rolling Stone Brasil, Gabriel revisitou sua trajetória e comentou algumas das canções que devem integrar o show — um encontro entre memória, experimentação e renovação artística.
Confira abaixo os principais pontos da entrevistas destacados pela Rádio VB:
Um acústico que mantém o pulso do rap
Mesmo apostando em uma sonoridade mais suave, Gabriel garante que o show não perderá sua intensidade característica.
“São novas versões das músicas, arranjos renovados, mudanças de harmonia e sopros. Algumas coisas emocionam até nos ensaios”, revela. Apesar do formato, ele reforça que não será um espetáculo contido. “Eu não fico parado no palco. Tem um momento mais ‘super acústico’, sentado, mas são só quatro ou cinco músicas dentro de um universo de trinta.”
O projeto também incorpora elementos eletrônicos de forma pontual, além de contar com convidados como Papatinho e o baixo elétrico da musicista russa Marfa, garantindo que o peso do rap e do reggae siga firme.
Gravar com plateia, segundo Gabriel, é o presente que faltava: “É muita energia envolvida. Fazer um novo álbum assim é marcante demais.”
Três décadas de reinvenção
Gabriel começou a carreira quando tudo exigia esforço dobrado: estúdios caros, gravações analógicas e divulgação na base do correio. Foi nesse cenário que nasceu a ousada “Tô Feliz (Matei o Presidente)”, em 1992 — fita cassete que viralizou nas rádios antes mesmo da internet existir e que acabou censurada poucos dias depois.
“O rap já era versátil, mas eu queria misturar tudo: reggae, Bob Marley, MPB, rock brasileiro. Fui criando meu estilo”, explica. Foi assim que lançou seu debut, Gabriel o Pensador (1993), rapidamente transformado em sucesso nacional.
A década de 1990 ficaria conhecida mundialmente como a Era de Ouro do rap, e o artista incorporou ao gênero uma visão crítica e multifacetada, sempre atento à realidade brasileira.
Crítica social que ecoa no presente
Ao longo da carreira, Gabriel construiu um repertório em que o protesto é linguagem e propósito. Violência policial, racismo, desigualdade e corrupção atravessam suas letras e, segundo ele, continuam urgentes.
“Muita coisa regrediu. Intolerância, arrogância, egoísmo. São temas que eu já abordava no primeiro single e que ainda nos assombram”, observa.
Um exemplo é “Palavras Repetidas”, que une rap e Legião Urbana num desabafo sobre o caos social. “A música é um grito por empatia. E continua necessária.”
O rapper cita também “Mandei Avisar”, parceria com o saudoso Marcelo Yuka. “É uma música eterna. Em Maringá, vi amigos se abraçando, emocionados. São temas que não morrem.”
Para Gabriel, com o tempo, cada canção ganha novas camadas. “A música vira história na vida do outro. Muitas vezes, maior do que quando escrevemos.”
Parcerias e encontros marcantes
O novo DVD traz um time de peso: Mano Brown, Lulu Santos, Xamã, Armandinho, Negra Li, Ventania, Papatinho e Tiago Mocotó. Muitas dessas parcerias atravessam décadas.
Com Lulu Santos, Gabriel divide histórias desde os anos 1990 — “Cachimbo da Paz”, “Assaltaram a Gramática” e, mais recentemente, “Cachimbo da Paz 2”, vencedora do Grammy Latino 2024.
Com Armandinho, o rapper lançou “Liberdade”, unindo rap e reggae. Já Negra Li chega ao palco em um registro surpreendente, cantando em um estilo diferente do que o público espera. Ventania, por sua vez, empresta sua vibração do universo hippie — MPB, rock e reggae em uma mistura única.
“Vai ser clima de celebração, com fãs de todas as idades. Tem quem me acompanha há décadas e tem a garotada nova. Isso me anima demais.”
Sob direção musical de Maurício Pacheco, a banda ganhou novos integrantes e ajudou a construir o que Gabriel chama de encerramento simbólico de um ciclo.
A força que ainda arrepia
No fim, o que move Gabriel o Pensador é o mesmo impulso de sempre: paixão. “Como digo na letra de Profecia, até hoje quando faço rap meu braço arrepia. A arte tem esse poder de sacudir as pessoas, tirar da alienação, abrir a mente. Show é ritual. Fazer parte disso é um privilégio.”
