Tunde Adebimpe, em seu aguardado álbum solo Thee Black Boltz, entrega exatamente o que dele se esperava — e também surpreende. É um trabalho profundamente sensorial, como se o artista estivesse sussurrando ideias à meia-luz, enquanto nos guia por um corredor sonoro repleto de ecos do passado e ruídos do presente.
A estrutura do disco flerta com a arquitetura experimental de Peter Gabriel em So, e a ambiência de Talk Talk em Spirit of Eden. Há momentos em que a voz de Adebimpe parece pairar sobre uma névoa de sintetizadores analógicos, pulsos eletrônicos e silêncios significativos. Em faixas como “Black Static Room” e “Antenna Gospel”, ele utiliza os vocais quase como instrumentos de textura — um recurso que remete à fase solo mais introspectiva de Thom Yorke, com fragmentos emocionais distorcidos e sempre à beira do colapso.
O título do álbum não é aleatório: Thee Black Boltz (em alusão a energia elétrica, mas também à tensão racial e identitária) é uma ode poética e ruidosa à resistência em tempos de ruído. A atmosfera lembra a distopia pós-industrial de Nine Inch Nails suavizada por uma batida trip-hop que evoca Massive Attack nos tempos de Mezzanine. Mas aqui, a dor e a pulsação são interiores.
Na faixa “Ily”, Tunde Adebimpe entrega talvez o momento mais íntimo e vulnerável de Thee Black Boltz. A canção se constrói sobre um loop minimalista de piano distorcido e batidas quase imperceptíveis, criando uma atmosfera de suspensão emocional.
Adebimpe sussurra mais do que canta, como se estivesse lendo uma carta nunca enviada — um “I love you” que soa mais como confissão do que declaração. A letra é fragmentada, cheia de silêncios e respirações, evocando a estética de Mark Hollis com a crueza emocional de Tricky. Em “Ily”, o amor aparece como ruído residual, algo que ecoa entre os espaços vazios da melodia — belo, danificado e impossível de esquecer.
Há também momentos de lirismo cru, como “Hold the Hollow” — em que Tunde, sobre batidas quebradas e uma linha de baixo seca, recita versos quase como um lamento ritual. É nessa faixa que ele se aproxima do spoken word melódico de Bowie no fim dos anos 70, mas com a urgência de um artista afro-diaspórico contemporâneo lidando com o colapso ambiental, social e afetivo.
O álbum não se rende à coesão pop. Ele prefere o risco. “Tombs of Data”, por exemplo, é quase uma desintegração eletrônica – uma faixa instrumental que se fragmenta à medida que avança, como se sabotasse sua própria estrutura. Já “This Skin Knows” é uma canção soul disfarçada de glitch, onde Tunde canta com dor e doçura, como se cada sílaba resistisse ao tempo.
“Magnetic” é o ponto de tensão e choque em Thee Black Boltz — uma faixa na qual Tunde Adebimpe abandona qualquer vestígio de linearidade para mergulhar em um torvelinho sonoro. Com batidas irregulares, drones metálicos e vocais filtrados por distorção, a música evoca a paranoia industrial de Nine Inch Nails e a densidade rítmica de Björk em Homogenic.
Tunde canta como se estivesse tentando romper um campo de força invisível, repetindo palavras como mantras que se desfazem ao serem ditas. “Magnetic” não é feita para consolar — ela atrai, repele e fragmenta o ouvinte, funcionando como uma metáfora sonora para a atração tóxica, o desejo que consome e a perda do eixo em meio ao caos emocional. É desconfortável, pulsante e vital no coração do álbum.
Adebimpe não tenta soar moderno. Ele se apresenta atemporal — no sentido em que a emoção que carrega sua música poderia existir tanto nos porões de 1983 quanto em um planeta devastado de 2083. Thee Black Boltz é um disco para se ouvir no escuro, para caminhar em ruas vazias ou para habitar memórias sem voz. É também uma declaração: Tunde Adebimpe não está aqui para reproduzir fórmulas — está para redesenhar o som da alma.