“Ouça este disco da primeira à última faixa. Esta é a história de nossas vidas,”, está escrito no encarte do álbum, como um epitáfio.
Lançado em 18 de julho de 1997, Uma Outra Estação é o último álbum de estúdio da Legião Urbana — um rito de passagem tardio, um adeus curvo, melancólico e sem pretensões messiânicas, mas carregado de silêncios eloquentes. A morte de Renato Russo, ocorrida nove meses antes do lançamento, marcou o fim da banda e selou, também, o esgotamento de uma era. Ao reunir sobras das sessões de A Tempestade (1996), o disco se estrutura como epílogo e testamento, em que cada faixa funciona como retalho inacabado de uma tapeçaria emocional que insiste em não se desfazer.
Uma Outra Estação soa como um fantasma doméstico: está ali, no mesmo quarto, usando os mesmos móveis, mas ocupando o ar de outra forma. Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá assumem a missão quase arqueológica de concluir o disco, montando o quebra-cabeça com a ajuda de Tom Capone, em um processo mais de escuta e memória do que de invenção. O resultado é um álbum que mais evoca do que afirma, mais lamenta do que proclama.
“As Flores do Mal” é o primeiro respiro: não à toa inspirada em Baudelaire, costura o desencanto lírico à pulsação política que sempre atravessou a banda.
“Antes das Seis” traz um frescor agridoce que, sem saber, ecoa como uma das últimas confissões de Russo. Já “Marcianos Invadem a Terra”, resgatada da fase Trovador Solitário, é uma cápsula de tempo com humor e ironia mordaz, prova de que o delírio também foi trincheira.
Há ausências dolorosas. Em “Sagrado Coração”, a letra aparece no encarte, mas a voz não — Renato não chegou a gravá-la. O silêncio, aqui, é mais eloquente do que qualquer harmonia vocal. Como uma oração interrompida. A imagem da capa, desenhada por Bonfá, remete a Brasília, cidade-utopia e distopia onde tudo começou. E a frase em latim que volta a estampar o encarte — Urbana Legio Omnia Vincit — soa mais como elegia do que proclamação.
Lançado pela EMI, o disco vendeu mais de 250 mil cópias e, mesmo sendo um dos menos comerciais da banda, atingiu status de platina dupla. Mas sua importância não está nos números: está na cicatriz que ele encarna. Uma Outra Estação não é um disco de fim. É um álbum de passagem. Uma espécie de estação-fantasma, onde o trem não chega mais, mas onde ainda se escutam ecos das conversas na plataforma.
A Legião Urbana sabia — talvez desde o início — que não se faz revolução sem poesia, nem poesia sem dor. E neste último aceno, ofereceu um álbum que não se fecha: pulsa, reaparece, e resiste à obsolescência dos calendários.