Em um mundo pré-streaming, onde o vinil ainda girava sob luzes estroboscópicas e a MTV ditava a estética das ruas, um som emergiu da Bélgica com potência global. Technotronic, coletivo musical gestado no final dos anos 1980, é uma relíquia eurodance — uma cápsula sonora de um tempo em que a pista era o altar e o grave ditava o ritmo das epifanias coletivas.
Sob a batuta visionária do produtor Jo Bogaert (aka Thomas De Quincey), o grupo desenhou com precisão quase clínica os contornos do que seria o som das raves futuras, misturando house, acid beats e uma estética urbana globalizada. A faixa que cravou seu nome no inconsciente pop mundial, Pump Up the Jam (1989), foi um ponto de inflexão cultural, um manifesto eletrônico com vocação comercial e pulsação de pista underground.
Mas por trás da batida meticulosamente construída estava a voz — e, por algum tempo, o rosto ausente — de Ya Kid K, alter ego da congolense radicada na Bélgica Manuela Kamosi. Sua entrega vocal, entre o flow falado do hip hop e o refrão infeccioso do pop, era a alma que tornava os beats dançáveis também narrativos.
Pump Up the Jam, Get Up (Before the Night is Over), Move This foram hits que invadiram rádios e boates, e depois se tornaram trilhas de comerciais de marcas como Revlon e Philips, catapultando o Technotronic para além das pistas. O grupo se acomodou nas salas de estar, nos salões de beleza, no imaginário publicitário global. O pop absorvia o house, e a cultura de consumo reciclava o som das ruas em loop.
Nos EUA, o grupo tornou-se um dos primeiros projetos europeus de dance music a romper as barreiras da Billboard. No Brasil, seu som ecoava nos clubes, danceterias e nas coletâneas em fita cassete que faziam a alegria dos DJs amadores. Nos anos 90, ser adolescente e não ter dançado Move This era quase um ato de resistência involuntária.
Hoje, com Pump Up the Jam beirando os 170 milhões de visualizações no YouTube, a memória afetiva se cruza com o algoritmo. A música que embalou a adolescência clubber de uma geração ressurge como meme, trilha de TikToks e vinheta de nostalgia cool. Technotronic, como poucos, sintetiza a transição entre a era analógica das danceterias e o glitch digital das playlists.
Mais do que um grupo de dance music, o Technotronic é um vestígio sonoro de uma revolução que se dançava. Um flash de neon que ainda reverbera.