"Ôh, Cride, fala pra mãe, que tudo que a antena captar, meu coração captura. Vê se me entende, pelo menos uma vez, criatura".
Em 1985, o Brasil ainda respirava os ares turvos da ditadura recém-extinta, tentando entender o que era ser “moderno” sem ser importado. E nesse contexto ansioso e plástico, os Titãs lançaram seu segundo álbum de estúdio, Televisão — um disco que, 40 anos depois, ainda pulsa como uma antena torta sintonizada nos dilemas urbanos, paranoias midiáticas e ruídos existenciais de um país que parecia um canal fora do ar.
Televisão é um disco que já nasceu com múltiplas vozes — no literal e no simbólico. Oito integrantes, oito visões de mundo, oito vozes entoadas com raiva, ironia e perplexidade. Não era apenas música. Era colagem, ruído, performance. O rock que vinha das garagens paulistanas misturado com poesia concreta, pós-punk inglês, tropicalismo desconstruído e um sotaque novo: urbano, sujo, quase publicitário.
A faixa-título, “Televisão”, com vocal de Arnaldo Antunes, é quase um manifesto dadaísta que antecipa a lógica zumbi das redes sociais, quando “a televisão me deixou burro, muito burro demais”. Na época, parecia exagero. Quarenta anos depois, soa como uma profecia embalada em power chords.
Outras faixas como “Pra Dizer Adeus”, “Insensível” e “Não Vou me Adaptar”, formam um tripé pop estranho, quase desconfortável. Havia algo de dança e algo de desespero. Uma urgência sincopada, como se cada faixa precisasse salvar a banda (ou o ouvinte) do tédio.
Os arranjos ora lembram a new wave dos Talking Heads, ora flertam com o ska nervoso, ora parecem versões tropicais de Joy Division num domingo de sol em São Paulo. Tudo filtrado por uma estética que cheira a VCR, televisão de tubo, cimento queimado e suor jovem.
Culturalmente, Televisão é um espelho da sua época: caótico, fragmentado e ainda sem discurso pronto. É o som de um Brasil urbano tentando se reinventar sem perder o deboche. E 40 anos depois, ele ainda ecoa — não como peça de museu, mas como ruído necessário em meio à hiperconexão, à pasteurização digital e às playlists de algoritmo.
Reescutar o disco hoje é como assistir a um VHS experimental esquecido num armário: chiado, estranho e necessário. Um lembrete de que o rock brasileiro, um dia, foi plural, incômodo e brilhantemente desajustado.