Há artistas que atravessam décadas sem perder o faro do novo. Marina Lima é desse time: estilista de melodias, autora de frases certeiras, dona de um canto que transformou inquietação em estética. Aos 70 anos, nesta quarta, 17 de setembro, a carioca de alma pop e espírito MPB celebra uma obra que moldou o som urbano do país; sofisticado, sensual, melancólico quando precisa, sempre fiel à boa canção.
A história pode ser contada em discos. “Fullgás” (1984) é a faísca pop definitiva: guitarras reluzentes, teclados de época e canções que grudam sem abrir mão de inteligência. A faixa-título virou sinônimo de euforia afetiva. “Virgem” (1987) consolida a persona: produção luminosa, letras de observação íntima e hits que colaram na vida cotidiana (é o período de “Uma Noite e Meia” e “Preciso Dizer Que Te Amo”), com Marina refinando a parceria criativa com o irmão, o poeta Antonio Cícero, e afiando o olhar sobre relações, cidade, desejo.
Nos anos 1990, ela dobra a aposta no requinte. “O Chamado” (1993) é disco de atmosfera: batidas mais adultas, texturas elegantes, voz à frente, dizendo sem medo. Uma prova de que dá para ser pop e denso, radialista e autoral. A maratona de clássicos ganha, depois, versão de bolso e memória afetiva em “Acústico MTV” (2003), registro que reapresenta seu repertório a uma geração e exibe o desenho das canções com nitidez de projeto: sem excesso, tudo no lugar certo.
E há o trânsito livre entre rádio, novela e rua. “À Francesa” virou hit nacional e embala lembranças graças à trilha de “Top Model” (1989/90), mostrando como a escrita de Marina conversa com grandes públicos sem perder assinatura. A “Próxima Parada” captura a sofisticação daquele período: pop urbano, arejado, de arranjos que respiram. É a Marina que observa a cidade pela janela, anota gestos e devolve em canção, moderna, mas profundamente brasileira.
O segredo? Economia e precisão. Marina compõe como quem edita: cada palavra pesa, cada acorde resolve a cena. A parceria com Antonio Cícero ajudou a lapidar esse idioma próprio, no qual a sensualidade nunca é óbvia e a dor não é espalhafatosa. Há uma ética do detalhe em sua obra, e é dela que nasce a longevidade.
Por onde começar (ou revisitar)
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Fullgás (1984) — o estalo pop que definiu um estilo.
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Virgem (1987) — a persona madura, hits e crônica urbana.
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O Chamado (1993) — sofisticação noventista, sutileza e atmosfera.
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Acústico MTV (2003) — o “best of” ao natural, arranjos que revelam ossatura.
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Próxima Parada — a síntese elegante de um repertório que nasceu para circular entre rádio, pista e fones.
Aos 70, Marina segue referência: prova de que canção popular pode ser leve e complexa, imediata e duradoura. É a trilha ideal para quem quer celebrar a maturidade como quem abre a janela, deixando entrar luz, vento e um refrão que não se esquece.