O mês de novembro de 2025 promete ser diferente para quem vive nas ilhas de Caçacueira e Lençóis, no arquipélago de Maiaú, em Cururupu (MA). Isoladas geograficamente e com acesso limitado a bens culturais, essas comunidades vão receber o “SOLta na Maré”, um cinema itinerante movido a energia solar que chega com tudo: sessões ao ar livre, oficinas de audiovisual com celular, formação crítica sobre o uso das redes e uma programação pensada para dialogar diretamente com as histórias e identidades locais.
Realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, por meio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), o projeto acontece entre 24 e 28 de novembro de 2025. A idealização e realização são da Poli Companhia, por Nicolle Machado; a produção é da Maranhezza, por Nat Maciel, e da Orgânik Produções Culturais, por Mariana Cronemberger.
Cinema solar na beira d’água
A experiência proposta pelo “SOLta na Maré” vai além da simples exibição de filmes. Em cada sessão, o público infantil e adulto assiste a produções em tela grande, sob o céu aberto das ilhas, com toda a estrutura alimentada por energia solar. Nada de gerador barulhento ou fumaça: o cinema chega limpo, silencioso e sustentável, respeitando o ambiente das comunidades pesqueiras e ribeirinhas.
Para muitos moradores, será a primeira vez assistindo a um filme com projeção profissional, som adequado e experiência coletiva de cinema — algo trivial em grandes centros urbanos, mas ainda raro em territórios isolados.
Betânia, animações e a força das narrativas brasileiras
A curadoria do “SOLta na Maré” aposta em filmes que conversam com o cotidiano das comunidades. Entre os destaques está o longa-metragem “Betânia”, da 02 Filmes, produção nacional que toca em temas como memória, território e pertencimento.
A programação inclui ainda animações selecionadas pelo festival Anim!Arte e pelo Cine Sesc-MA, com recorte especial em obras que abordam diversidade, infâncias brasileiras, relações comunitárias e desafios sociais que atravessam o país.
“Com as produções que selecionamos, buscamos alcançar a conexão dos moradores com histórias que falam diretamente às suas vivências, abordando temas sociais e comunitários que fortalecem a identidade local e discutem a importância da preservação da nossa memória e cultura audiovisual”, explica Nicolle Machado, idealizadora do projeto.
Oficinas com celular: das telas da ilha para o mundo
O “SOLta na Maré” não para na exibição. Um dos pilares do projeto é a formação audiovisual de baixo custo, com oficinas abertas para jovens, adultos e idosos, focadas em ensinar como produzir vídeos usando apenas o celular.
A ideia é que os moradores aprendam a:
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registrar o cotidiano da ilha;
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contar suas próprias histórias e lutas;
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documentar festas, tradições, paisagens e modos de vida;
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fortalecer a comunicação comunitária.
“Queremos que todos tenham a chance de registrar e compartilhar suas próprias histórias, dando visibilidade às demandas locais e fortalecendo a comunicação comunitária”, reforça Nat Maciel, da Maranhezza.
Cultura digital, ética e combate às fake news
Durante as atividades formativas, o projeto também abre espaço para um debate urgente, inclusive no universo pop e das redes sociais: ética na produção de conteúdo e combate à desinformação.
As oficinas abordam temas como:
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responsabilidade ao criar e compartilhar informações;
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impactos das fake news na vida das comunidades;
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importância de checar fontes e contextos;
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construção de uma cultura digital mais crítica, consciente e participativa.
O objetivo é que os moradores não sejam apenas consumidores passivos de conteúdo, mas protagonistas de uma rede informada, criativa e responsável.
Palco aberto para a cultura local
Além do cinema e das oficinas, o “SOLta na Maré” também valoriza o que já pulsa na região: suas manifestações culturais. Ao fim das atividades de cada dia, haverá apresentações artísticas com atrações locais, criando um espaço de celebração da identidade das ilhas.
A programação completa será divulgada em breve nos perfis das produtoras no Instagram:
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@poli.companhia
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@maranhezza
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@organikprod
Um cinema que chega com o sol – e movimenta a economia
O “SOLta na Maré” funciona com uma estrutura de cinema 100% movida a energia solar, baseada em um sistema móvel e sustentável que permite levar a experiência cinematográfica a áreas remotas sem agredir o ecossistema.
Mas o impacto não é apenas simbólico ou ambiental. O projeto também movimenta a economia local:
“O nosso projeto também terá um impacto econômico importante para as ilhas. Ao contratar profissionais locais para serviços de alimentação e apoio logístico, fortaleceremos a economia local e criaremos oportunidades de renda para os moradores. A própria comunidade terá participação ativa na montagem e desmontagem da estrutura, promovendo um intercâmbio cultural e social”, destaca Mariana Cronemberger, da Orgânik Produções Culturais.
Mulheres no comando e foco nas comunidades isoladas
A equipe do “SOLta na Maré” é formada majoritariamente por mulheres maranhenses com experiência em audiovisual e artes integradas. Essa perspectiva também atravessa o projeto: a ideia é registrar toda essa jornada em vídeo e reforçar a urgência de investir em ações que escutem e atendam diretamente as demandas de comunidades isoladas.
O projeto nasce com vocação para crescer e circular:
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pode servir de modelo de sustentabilidade cultural;
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dialoga com redes de cinema itinerante e iniciativas verdes no Brasil e fora dele;
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conecta-se a debates em torno dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente no que diz respeito a acesso à cultura, educação de qualidade, redução das desigualdades e cultura como direito humano.
“Nossa ideia é que o SOLta não seja apenas um evento isolado, mas um movimento de inclusão cultural que se adapte a contextos diversos e continue a promover transformação social onde quer que esteja. Investir nesse projeto é garantir sua continuidade, já que a estrutura poderá ser usada em novos projetos e em novos locais isolados. Pensamos o SOLta para ser muito mais do que um projeto de cinema itinerante. Esse é o nosso caráter inovador: ser também adaptável”, finaliza Nicolle Machado.
Arquipélago de Maiaú: beleza, isolamento e potência cultural
O arquipélago de Maiaú, no litoral maranhense, reúne cerca de 50 ilhas, das quais apenas uma parte é habitada — caso de Caçacueira e Lençóis, palcos do “SOLta na Maré”. Apesar da riqueza natural e cultural, essas comunidades convivem com dificuldades no abastecimento de energia elétrica e no acesso a equipamentos culturais.
Ao levar cinema, formação audiovisual e debates sobre comunicação para essas ilhas, o projeto não só descentraliza o acesso à cultura, como também joga luz sobre narrativas que raramente chegam ao circuito hegemônico da produção cultural brasileira.
É o cinema indo onde quase nunca vai — e, desta vez, chegando com o sol.
SERVIÇO
O quê: Projeto de cinema itinerante “SOLta na Maré”
Onde: Ilhas de Caçacueira e Lençóis, arquipélago de Maiaú (Cururupu/MA)
Quando: De 24 a 28 de novembro de 2025
Mais informações:
Instagram – @poli.companhia, @maranhezza, @organikprod