A primeira temporada de IT: Bem-Vindos a Derry se aproxima do fim consolidando o que se propôs a fazer: expandir o universo criado por Stephen King e aprofundado por Andy Muschietti nos filmes, mas com estética própria, ritmo particular e ousadia narrativa. Se a obra original sempre tratou o horror como metáfora para traumas coletivos, desigualdade e violência estrutural, a série leva essa ambição adiante ao revisitar a década de 1960 numa Derry ainda mais opressiva e, como já sabemos, irremediavelmente condenada.
Os sete episódios até aqui compõem um mosaico consistente de horror psicológico, simbologia cósmica e drama de formação, aproximando-se mais de Twin Peaks do que de uma adaptação de terror convencional. A direção de Muschietti, ora direta, ora indireta na supervisão criativa, se faz sentir na maneira como a série constrói a tensão: nada é gratuito, nada é rápido demais, e o mal é sempre insinuado antes de ser escancarado.
⚠️ Spoilers pesados a partir daqui
1. A construção do mito e a origem do mal
Um dos maiores acertos da série é explorar a pré-história do Pennywise, sugerindo conexões cósmicas com a “entidade” por trás do palhaço. Em vez de explicar demais, o que seria um erro fatal, a série prefere sugerir, deixando lacunas que conversam com o imaginário literário de King. As cenas que mostram o circo, a figura do “Palhaço Original” e o ritual maldito que prende Derry em um ciclo de violência foram recebidas com entusiasmo pelos fãs mais atentos.
A escolha de permanecer no limiar entre o literal e o metafísico mantém Bem-Vindos a Derry fiel ao espírito dos filmes, mas ainda mais próximo do horror existencial dos livros.
2. O elenco sustentando o drama
Taylour Paige, Jovan Adepo e Chris Chalk entregam interpretações sólidas, com destaque para Paige, cuja trajetória, da recusa em aceitar a natureza maligna de Derry até o enfrentamento final, tornou-se o eixo emocional da temporada.
Mas é Bill Skarsgård quem rouba todas as cenas em que aparece. Seu Pennywise aqui é mais selvagem, menos consolidado, quase “em formação”. Isso reforça a sensação de que estamos testemunhando o nascimento de um mal primordial. Ele não é, ainda, o monstro dos filmes, e esse processo de “lapidação” é um dos aspectos mais emblemáticos da série.
3. Derry como personagem
Mais do que cenário, a cidade ganha vida própria. Há um cuidado impressionante na fotografia, na construção dos sets e na trilha sonora, que alterna jazz inquieto, ruídos industriais e silêncios abruptos.
O episódio 5, com a sequência do esgoto respirando como se fosse um organismo vivo, é talvez o melhor exemplo disso. Derry sente, ouve e responde ao medo de seus habitantes. A série deixa claro que Pennywise é um sintoma, não a doença.
4. O círculo das crianças e o trauma coletivo
A escolha de acompanhar um grupo de jovens que não são, ainda, o Clube dos Perdedores foi um risco calculado. E funcionou.
A série mostra como o mecanismo do medo se espalha como uma infecção, afetando famílias, escolas, vizinhanças e infiltrando-se nas rachaduras sociais da época, incluindo racismo, violência doméstica e negligência institucional.
Os episódios 6 e 7, que trazem a morte de um personagem-chave e o colapso emocional dos demais, colocam o grupo em rota direta com Pennywise. O trauma aqui é motor narrativo, e não mero enfeite.
O que esperar do capítulo final (Episódio 8)
1. O nascimento definitivo de Pennywise
Tudo indica que o último episódio mostrará a “consolidação” da entidade no palhaço que veremos décadas depois. O prólogo dos filmes será, finalmente, conectado.
2. O sacrifício — inevitável
Um dos jovens protagonistas muito provavelmente terá destino trágico. A série construiu esse caminho desde o início, e o discurso circular sobre “pagar o preço do medo” não deixa margem para milagres.
3. Revelação de um pacto ancestral
Os indícios deixados nos episódios 3 e 7, especialmente o mapa subterrâneo e os registros sobre desaparecimentos de 27 anos antes, indicam que Derry pode ter um pacto secreto ligado à elite da cidade, preparando terreno para as referências vistas nos filmes.
4. A semente do Clube dos Perdedores
Não espere ver Bill, Beverly, Ben ou Richie. Mas espere sentir o eco do que virá. A temporada deve encerrar com um evento traumático que cria o ciclo necessário para que, décadas depois, o Clube dos Perdedores se forme.
5. Um final mais amargo que redentor
A estrutura de Bem-Vindos a Derry não promete catarse, mas angústia. O episódio final provavelmente:
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encerrará arcos pessoais;
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vai garantir a vitória parcial de Pennywise;
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mostrará que a cidade aprendeu a viver ignorando o horror;
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deixará a sensação de que ninguém realmente escapa de Derry.
Esse é o tipo de final que conecta o prelúdio ao terror absoluto dos filmes.
Conclusão
IT: Bem-Vindos a Derry entrega, em seus sete episódios, uma temporada consistente, apesar de alguns tropeços narrativos, atmosférica e profundamente inquietante. Ao apostar em personagens novos, mitologia expandida e na força do elenco, a série se sustenta sem depender dos filmes, embora dialogue com eles de maneira inteligente.
O oitavo capítulo tem tudo para ser um fechamento sombrio, traumático e determinante, selando o nascimento do mal que assombrará Derry por gerações.