“Esquadros” é uma dessas lâminas delicadas que Adriana Calcanhotto depõe sobre a mesa, como quem revela a arquitetura secreta das sensações. Tipo de música que não se ouve, atravessa. A canção parece medir o mundo em linhas tortas, em ângulos que só existem quando alguém decide enxergar o que passa despercebido. É uma matemática íntima, feita de sombras, barulhos mínimos e pequenas geometrias afetivas.
O eu lírico caminha como quem tenta decifrar a própria silhueta refletida nas vitrines. Tudo tem peso e proporção, o gesto de um estranho, o contorno de um prédio, a luz que recorta a cidade em tons de memória. “Esquadros” transforma o cotidiano em um diagrama emocional, uma planta baixa do que ainda não entendemos sobre nós mesmos. Adriana canta tipo quem fotografa instantes com a voz.
E no fim, a música se torna esse convite silencioso a reorganizar nossos cantos internos, abrir janelas onde antes havia parede. Porque certas dores e alegrias não cabem nas formas convencionais, precisam de outras medidas, de outras perspectivas. “Esquadros” é o rascunho eterno desse esforço, uma canção sobre aprender a habitar o próprio desenho.