Em dezembro de 1990, quando Edward Mãos de Tesoura chegou aos cinemas, o mundo vivia uma transição simbólica. A Guerra Fria se dissolvia, o Muro de Berlim havia caído no ano anterior, a estética colorida dos subúrbios norte-americanos ainda escondia tensões sociais profundas e o cinema buscava novas formas de falar sobre identidade, pertencimento e exclusão. É nesse contexto que Tim Burton lança sua obra mais pessoal, e talvez mais delicada, completando agora 35 anos como um dos filmes mais influentes da cultura pop contemporânea.
Dirigido com a assinatura visual inconfundível de Burton, o filme funciona como um conto de fadas gótico ambientado em um subúrbio pastel, quase artificial. Edward, criação inacabada de um inventor solitário, carrega tesouras no lugar das mãos, em uma metáfora potente para tudo aquilo que é visto como estranho, perigoso ou inadequado pela sociedade.
Burton constrói um contraste visual e narrativo preciso, como o castelo escuro no topo da colina versus as casas coloridas, idênticas, aparentemente perfeitas. Ali, a normalidade se revela mais cruel do que o monstruoso.
A atuação de Johnny Depp, então ainda distante do status de astro global, é um marco absoluto. Edward é um personagem quase silencioso, feito de olhares, gestos contidos e uma tristeza infantil permanente. Depp abandona qualquer vaidade e cria uma figura profundamente humana, mesmo sem conseguir tocar ninguém sem ferir. Já Winona Ryder, no auge de sua juventude, entrega uma Kim sensível, empática e melancólica, que enxerga em Edward não uma ameaça, mas um espelho da própria inadequação. A química entre os dois sustenta o coração emocional do filme.
A trilha sonora de Danny Elfman, outro pilar da obra, amplia a sensação de conto moderno, misturando lirismo, melancolia e encantamento. Cada acorde reforça a ideia de que estamos diante de uma história sobre amor impossível, sobre beleza que não cabe nos padrões e sobre a violência silenciosa da rejeição coletiva. Edward não é expulso por ser mau, mas por ser diferente demais para um mundo que exige encaixe.
Ao longo das décadas, Edward Mãos de Tesoura se tornou referência estética, narrativa e simbólica. Influenciou moda, música, videoclipes, publicidade e gerações inteiras de artistas que passaram a enxergar o “estranho” como potência criativa.
Edward virou ícone pop, cosplay recorrente, metáfora acadêmica, personagem citado em canções, séries e editoriais de moda, sempre associado à ideia do outsider sensível em um mundo brutalmente normativo.
Rever o filme 35 anos depois, no acervo da Disney+, é perceber como ele permanece atual. Em um tempo marcado por polarizações, cancelamentos e intolerância, Edward continua sendo o lembrete de que a sociedade frequentemente transforma diferença em ameaça.
Tim Burton, em 1990, talvez não soubesse que estava criando um clássico atemporal. Mas sabia, com precisão dolorosa, que falar de monstros era, na verdade, falar da humanidade.