Em 24 de abril de 2016, o anúncio foi breve, sem estardalhaço, e mais melancólico do que dramático: o Kid Abelha encerrava oficialmente suas atividades. Nada de coletiva de imprensa, brigas públicas ou manchetes sensacionalistas. O trio que transformou inseguranças juvenis e relacionamentos desajustados em trilha sonora da juventude brasileira optou por um “final suave”. E, nove anos depois, ainda ecoa no imaginário coletivo aquela sensação de que algumas bandas parecem que nunca deveriam acabar.
Formado no início dos anos 1980, o Kid Abelha surgiu como uma espécie de antítese de um rock basicamente formado pelo núcleo masculino da época. Paula Toller, Leoni (que logo saiu), George Israel e Bruno Fortunato criaram uma estética pop sofisticada, com letras que misturavam acidez, melancolia e senso de humor em doses exatas. A voz doce de Paula Toller narrava com ironia e franqueza as inquietações sentimentais de uma geração urbana e desconectada de heroísmos. “Como Eu Quero” e “Pintura Íntima” tornaram-se confissões cantadas em festas, rádios, fones de ouvido e desabafos não ditos.
A banda passou por todas as fases de uma longa vida artística: estreia brilhante no Rock in Rio de 1985, separações internas (a saída de Leoni foi um ponto de inflexão criativo), quedas e renascimentos, investidas solo dos integrantes, retornos apoteóticos, como o Acústico MTV em 2002, que vendeu mais de um milhão de cópias, e shows memoráveis nos anos 2000 — sem perder a ternura pop e a ironia refinada que sempre os diferenciou.
Paula virou sex symbol, George experimentou múltiplas colaborações e Bruno manteve uma discrição técnica que era a espinha dorsal da banda. Em meio a tudo isso, o Kid Abelha nunca cedeu ao óbvio. Cantava o amor, mas também a neurose urbana, o egoísmo afetivo, a insegurança camuflada por frases de efeito. “Lágrimas e Chuva”, “Educação Sentimental”, “Amanhã é 23” e tantas outras músicas viraram espelhos tortos da alma brasileira em transição — de ditadura para democracia, da fita cassete ao streaming.
O fim da banda, revelado em uma publicação discreta no Facebook, soou coerente com a postura que os acompanhou por mais de três décadas. “Soft ending”, disseram. Um adeus sem holofotes. A última imagem era de gratidão, e não de decadência. Cada integrante seguiu sua trilha — Paula nos palcos solo, George em parcerias e projetos paralelos, Bruno mais reservado.
O legado permanece vivo. Nas playlists nostálgicas, nos karaokês regados a vinho barato, nas confissões adolescentes de gerações que talvez nem saibam mais o que foi ter que esperar a rádio tocar a sua música preferida. Kid Abelha pode ter terminado, mas deixou, entre refrões cortantes e melodias açucaradas, um testamento emocional pop que ainda pulsa — mesmo em silêncio.
E se alguém duvidar da eternidade dessas canções, basta ouvir de novo “Nada Sei” ou “No Seu Lugar”. Algumas bandas passam. Outras, permanecem tatuadas no peito de quem viveu para cantar junto, entre uma lágrima e um sorriso amarelo.
Abaixo, relembre Pintura Íntima, o primeiro hit do Kid Abelha que grudou no imaginário coletivo