No subterrâneo da cena pós-punk brasileira dos anos 80, entre camadas de fumaça e ecos melancólicos, a banda Zero surgiu como uma dissonância elegante no barulho urbano da década. Com uma sonoridade que misturava guitarras angulosas, sintetizadores com peso dramático e letras carregadas de imagens intensas, o grupo cravou sua marca em um Brasil que começava a experimentar a ressaca da ditadura e a flertar com a modernidade pop.
A música "Quimeras" é talvez o espelho mais fiel dessa proposta: uma canção que não se contenta em contar uma história, mas insinua, sussurra, seduz.
Lançada no EP Passos no Escuro (1985), "Quimeras" é construída com uma tensão quase cinematográfica — uma faixa que não cresce para o alto, mas para dentro, mergulhando em sentimentos ambíguos, como se traduzisse em som a angústia de quem anda à margem de si mesmo.
A voz grave de Guilherme Isnard não interpreta — ela flutua como um personagem que sabe que não tem salvação. Já a base instrumental trafega entre a urgência e o devaneio, lembrando o flerte que a Zero tinha com bandas como Japan, Bauhaus e os primeiros ecos da new wave europeia. É música de paisagem noturna, feita para tocar em fones de ouvido durante um passeio solitário por avenidas molhadas.
"Quimeras" não é uma faixa que envelhece. Ela se mantém como um fragmento sólido de uma juventude que acreditava no poder da imagem, da estética e da dor existencial como uma forma legítima de expressão. Hoje, reler essa canção é quase um exercício de arqueologia emocional — e cada verso é uma ruína que continua pulsando.